“To be, or not to be: that is the question”
William Shakespeare
Quem eu sou? Fica a pergunta. Sou uma interrogação. Sou o que quero e o que não quero ser. Sou aquele que inventa e re-inventa a vida. Sou aquele que abre e fecha os caminhos. Sou eu quem faço e desfaço meu destino. Sou eu quem escreve e lê a própria sorte. Sou aquele que constrói e destrói edificações e fundamentos. Sou aquele que nas velas sopra os ventos. Sou aquele que forma, desforma e transforma. Vou para muito além da forma. Sou mutação e metamorfose. Sou o movimento e sou a mudança. Sou inteiro e dividido. Sou meio cheio e meio vazio. Sou a terceira margem do rio. Sou aquele que transborda para dentro e para fora. Sou aquele que tece e destece feito as tramas de Penélope. Sou a linha e a agulha. Sou o bordado e sou quem borda. Sou aquele que sorri e chora. Sou um dos clowns de Shakespeare. Sou flaneur de Baudelaire. Sou aquele que arrisca, rabisca e risca. Sou artista. Sou aquele que traço, des-traço, contorno e entorno. Sou aquele que faz e des-faz. Sou aquele que luta e defende. Sou guerreiro. Soldado de Tebas. Sou umbigo e ambíguo. Sou antigo e pré-histórico. Sou terreno e extraterreno. Natural e sobrenatural. Sou tão certo e contraditório que chego a duvidar da certeza que sou. Sou tão confiante na desconfiança que sinto. Acredito e desacredito em mim e no que vejo, pois às vezes me engano e me engana o olhar. Ver é tão limitado que não me basta, preciso sentir. Enganado e desenganado pela verdade. Sou único, primeiro e singular, mas não deixo de ser plural e múltiplo: sou muitos, sou vários. Vou do zero ao infinito. Sou enorme, sou forte, grande do tamanho de um grão de areia. Sou majestoso, sou rei do meu mundo, do mundo que criei e carrego nas costas: sou Atlas. Mas sou plebeu do Universo, uno-me ao verso. Sou verso único, sou único verso. Sou cara, sou coroa, os dois lados da moeda. Sou o reverso e perverso. Sou poema de estrofes, versos e rimas. Sou poesia, sem deixar de ser prosa. Sou lírico, sou romântico, sou épico, sou poético, sou romancista, sou realista, sou modernista, sou poeta, mas não sou moralista. Sou machadiano, sou clariciano, sou bandeira, sou pessoa. Sou pessoa? Sou bicho também. Sou kafkaniano por excelência, ou de preferência: sou absurdo. Sou a lei, a ordem, ao mesmo tempo, sou o caos e a desordem. Sou o elogio à loucura, mas não sou o homem lobo do homem nem em noite de lua cheia. Sou fera, moro entre elas, sendo inevitável: sinto necessidade de ser a fera das feras. Sou belo. Sou selvagem, e civilizado, pacato, educado. E dentro de mim há um tornado, no meu peito se faz um vendaval. Sou a tempestade. Sou a noite e também o dia. E vivo a triste alegria de sofrer e a melancólica felicidade de viver. Sou insatisfeito de satisfação. Às vezes, sofro rindo, e às vezes, gargalhando sofro. Não sei se passo, não sei se fico. E sou feliz pelo desgosto e infeliz pelo gosto que sinto. Não sei se prefiro doce ou salgado, o amargo, ou o picante, que não é um sabor, mas uma sensação – de desconforto? Ai! por que a dor me causa prazer e, às vezes, o prazer me causa dor? Não tenho respostas, só perguntas para aquilo que penso que sou. Nem ao menos sei se existo, e se existo como provar a minha existência? Pensar seria a solução? O que veio antes o ovo ou galinha? o sentimento ou o pensamento? Sou minha própria vontade? Queria ser eu dono das minhas vontades. Gostaria de criar um idioma em que só eu conheceria os signos. Daí eu seria um significante uno a um significado meu. Sou inextrincável a mim. Sou um absoluto incompleto. Sou um paradoxo no Universo. Sou uma metáfora na vida. Metonímia nas emoções. Sou o que penso, ajo ou o que sinto? Sou feio ou sou bonito? De que ângulo, ponto de vista, filosofia e religião? Depende. Eu sou cheio de interrogações. Por isso, não sobra tempo para pensar em quem eu sou, viver ocupa todo o meu tempo.
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